Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá (AP)
Bispo de Macapá (AP)
Numa antiga catedral, pendurado a uma grande
altura, está um enorme crucifixo de prata que possui duas particularidades. A
primeira é a coroa de espinhos sobre a cabeça da estátua de Jesus: toda feita
em ouro maciço e ornamentada de pedras preciosas. O seu valor é incalculável. A
segunda particularidade é que o braço direito da imagem de Jesus está afastado
da cruz e pende no vazio. Uma história explica o que aconteceu.
Numa noite de muitos anos atrás, um ladrão
corajoso e com jeito de acrobata planejou roubar a esplêndida coroa de ouro e
pedras preciosas. Amarrou uma corda numa das janelas ao redor da abóbada
central, acima do crucifixo, e desceu por ela até a cruz. No entanto a coroa
estava solidamente fixada na cabeça da estatua e o ladrão tinha só uma faca
para tirá-la. Enfiou a faca de baixo da coroa e começou a mexer com todas as
suas forças. Pelejou por muito tempo suando e bufando. A lâmina da faca
quebrou, e a corda também se desprendeu da janela porque não aguentou tanta
agitação. O ladrão ia se espatifar no chão da catedral, mas, de repente, o
braço do crucifixo o agarrou e o segurou. Sorte grande a do ladrão! Na manhã
seguinte, os zeladores da igreja o encontraram lá em cima, são e salvo. O braço
do crucifixo, ainda, o estava segurando. A história não revela mais detalhes,
portanto não dá para conferir, mas acolhemos com simplicidade a mensagem.
Estamos chegando perto da Páscoa e, por isso,
somos convidados a olhar com mais atenção a Jesus crucificado. No evangelho
deste domingo, ele nos fala do grão de trigo que, para produzir frutos, deve
morrer. De outra forma, continuaria sendo apenas um grão de trigo. É uma
comparação clara para nos convencer a fazer da nossa vida um dom. Jesus garante
que quem quiser segurar a própria vida, no final, irá perdê-la, mas quem a
tiver doado com generosidade a conservará para a vida eterna. Mais uma vez
somos chamados a tomar uma decisão sobre o nosso jeito de viver. Ser cristão é
crer no Filho que o Pai enviou e viver seguindo o seu exemplo. O amor de Jesus
foi até a cruz, portanto ele pode pedir uma resposta generosa de nossa parte
porque, por primeiro, ele nos amou até o último suspiro de sua vida terrena.
Aprendemos também, no evangelho, que um grupo de
gregos pede ao apóstolo Filipe para poder “ver” Jesus. Talvez seja também a
nossa legítima e, às vezes, angustiante curiosidade. No entanto a resposta que
ele nos dá ajuda a entender que apenas vê-lo ainda não significa
acolhê-lo e, menos ainda, amá-lo e segui-lo no caminho da cruz. Em outras
palavras, parece-me, que Jesus nos convide a passar de um conhecimento visual
ou intelectual a um seguimento real e amoroso, tornando-nos “servidores” dele,
aprendendo com ele a servir e não a dominar; a doar a nossa vida para o bem dos
irmãos, em lugar de, quem sabe, aproveitar-nos deles, ou até tirar-lhes a vida
ou o necessário para viver. O nosso verdadeiro encontro com Jesus passa pela
cruz; somente quem consegue sair do seu egoísmo e compadecer-se pelos sofrimentos
dos irmãos começa a perceber o quanto grande foi o amor gratuito dele. De outra
maneira, o que pensamos ser o nosso conhecimento sobre o Senhor não passará de
discussões e debates feitos de palavras. Jesus não nos salvou com teorias ou
projetos mirabolantes, ele assumiu a nossa condição humana até a morte e nos
mostrou o único caminho para uma verdadeira mudança.
Quantos planos de reformas, bonitos e bem
estudados em si, não saem do papel simplesmente porque ninguém quer renunciar a
nada, porque todos querem – ou queremos – ficar agarrados aos nossos
privilégios, disfarçados, às vezes, de direitos? Hoje parece impensável,
vergonhoso e sinal de derrota, perder alguma coisa. Perder algo, fique claro,
para que outros possam ganhar em dignidade, saúde, felicidade e vida plena.
Assistimos a uma disputa desenfreada para conseguir mais. Qualquer coisa serve:
dinheiro, prestígio, poder. Como se tudo fosse sem fim e sem limites. Jesus
fala de “perder” não um pouco do nosso salário, um jogo, ou uma disputa eleitoral,
mas de perder, doando-a, a nossa própria vida. É quando a doamos que
encontraremos novamente, bem guardada, como um tesouro imperecível no céu.
Somos todos, um pouco, como aquele ladrão da
catedral. Queremos a coroa de ouro exclusivamente para nós. Jesus quer nos
segurar nos seus braços para nos salvar do abismo da ganância. Esta conduz ao
esquecimento – que depois é a morte – do nosso próximo. Seguindo Jesus no
caminho da vida oferecida seremos abençoados por Deus e pelos pobres. Salvando
a vida deles, salvaremos também a nossa para sempre.